7.7.14

Belchite (1)


11/4/13 at 12:39 AM

Bom, ok, Belchite.

Não senti ou percebi reconciliação nenhuma no pouco ou nenhum contacto que tive com as pessoas em Belchite.. Aquela zona fica (para quem vem de zaragoza) depois de um pequeno deserto, no meio do nada e a talvez 10km da vila onde o Goya nasceu (Fuentetodos). É mesmo bonito, e de facto, isso é uma das coisas que eu adoro em Espanha, tem uma paisagem inesperada, conspirativa quase, troca-te as voltas. E porque caraças, é que Belchite toda ela muito mourisca, localizada muito depois de um caminho de cabras pelo meio de calhaus e terra, se torna importante na guerra civil espanhola..?!
Há mesmo qualquer coisa de romântico quando fazes este caminho para ir ver uma ruína.

Depois Belchite, ou melhor, nova Belchite é uma vila (reconstruida ao lado da ruína), pirosa todos os dias, bucólica como nos é familiar, quente (ferve) e há outras coisas sobre as quais se pode construir uma imagem entre o familiar e o estranho: o cão sarnento que se atravessa em diagonal no teu caminho, as moscas moles, a sensação de que os relógios estão a procrastinar, ou imaginares por dois segundos que "ali" deve haver escorpiões. As pessoas parecem suspeitas, ou então, em zonas pesadas e de algum modo silenciosas, tudo parece suspeito!
Na nossa visita guiada (só depois percebemos que era possível invadir as ruinas) havia várias pessoas, essencialmente espanhóis. A nossa guia (sessentona, natural da velha Belchite), cujo pai lutou pelo Frango, explicou-nos um pouco de tudo, havia está claro um discurso tendencioso que irritava o gordinho do grupo que lhe respondia torto. E havia também o outro guia, algures à esquerda, que pelos vistos tinha uma versão mais rigorosa e complexa da história local. Pareceu-me que era bastante dividido. Acho que ali nunca houve reconciliação, o que deve haver é uma relação agastada entre traição e rancor. Aquilo foi completamente massacrado, primeiro pelos republicanos, depois pelos nacionalistas, e de cada lado os devidos expurganços. Mas como é que uma comunidade se recompõe disto?
Na minha ficção pessoal sobre Belchite, o pessoal tem caçadeiras debaixo das mesas de jantar, e se houver a mínima oportunidade, tomam os seus lugares (trincheiras, casas, buracos) e vai de ajustar contas antigas.
É fácil de perceber porquê. Aqui dá-se também o caso comum da pequena escala que replica a grande escala: uma pequena guerra, à escala local, na grande guerra. Belchite era, como seria de esperar uma vila rural, extremamente católica, conservadora e tendencialmente pró Frango. Assim por alto (não aprofundei isto), Belchite fazia parte de um plano ofensivo por parte da republica em direcção a Zaragoza, e mais importante do que avançar nessa direcção, penso que toda a ofensiva era uma medida de diversão para atrair os nacionalistas que se dirigiam para norte, a fim de tomar o país basco, que de resto tomaram na mesma. Foi um derramamento de sangue, como tantos outros, completamente inútil. E Belchite resistiu ferozmente à ocupação republicana. Uma das coisas mais incríveis quando aprofundas estas questões, especialmente com os espanhóis, são as técnicas caseiras e absolutamente rebuscadas de resistencia/rebelião - numa palavra guerrilla (que de resto lixou e bem as tropas napoleónicas durante a guerra peninsular). Os gajos barricaram-se em casa e abriram túneis entre as casas e adegas, armados na medida do possível (porque estavam sozinhos) iam fazendo alguma resistencia (os nacionalistas estavam concentrados em Zaragoza)...Eventualmente os republicanos abriram caminho e a vila cedeu, com um número completamente abusivo de baixas para os próprios republicanos.  Tomam-se as devidas diligencias (fuzilamentos), e enfim Zaragoza nunca é conquistada. Quando Belchite volta ao poder nacionalista (não faço ideia quando, provavelmente mais para o fim da guerra), e depois dos devidos fuzilamentos, o resto dos republicanos são "acomodados" nuns barracões algures perto e obrigados a trabalhar na reconstrução da nova Belchite.  A este espaço, hoje em dia meio abandonado, chamaram carinhosamente de pequeña rusia...




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